"O Fusca azul pavão que nunca foi meu..."
Autor: Luciano
História publicada no blog do velhão - http://blogdovelhao.blogspot.com/
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Autor: Luciano
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Sou da época em que era comum os garotos trabalharem cedo, cresci sabendo que o trabalho é a parte mais importante da vida e, claro, a importância de poupar alguns trocados para não passar tantos apertos.
Assim, com uns quatorze anos já era um dos mensageiros do Banco de Crédito Nacional, o BCN, que desapareceu absorvido pelo gigante Bradesco. O salário era mínimo e a carga horária pesada, gastando a sola o dia inteiro pelas ruas da metrópole. Muitas vezes optava por esticar uma caminhada para embolsar o dinheiro da condução. Naquela época o trabalhador não tinha mordomia, o mínimo salário tinha que dar conta do transporte e da alimentação, o que sobrava mal dava para comprar uma calça jeans genérica e um par de tênis de tempos em tempos, roupa que era gasta para o próprio trabalho, assim, no início da minha adolescência, era um obediente escravo de banqueiro, pois os trocados que recebia mal eram suficientes para me manter com mínima dignidade no trabalho.Mesmo assim, administrando a pobreza, conseguia guardar alguns trocados numa poupança, coisa pequena. Certo dia, enquanto espremia minhas espinhas de 17 anos, meu pai chegou com uma novidade, oferecia uma sociedade na compra de um carro. Achei estranho, mas ele continuou com a oferta, havia encontrado um fusca 1970, de uma viúva, abandonado a uns 5 anos no quintal, pois a dona não sabia dirigir e não queria se livrar do querido carro do falecido. O estado da lataria, largada a própria sorte sob sol e chuva por cinco anos, não era das melhores, mas era um carro que o defunto tinha desde 0km, sem nunca ter sido batido e com pouca quilometragem.
Com o saldo da minha poupança, 5 mil alguma coisa (não lembro mais a moeda da época), foi possível contentar a viúva e limpar o seu quintal. O carro seguiu direto para a oficina e depois de uma reforma na funilaria e uma bela revisão mecânica que consumiu outros 5 mil do meu pai, chegou em casa tinindo de novo, aquele azul pavão espelhado, as partes cromadas doendo os olhos, calotas, acessórios e equipamentos originais, enfim, um carrinho totalmente novo de novo.
Mas o problema é que ainda estava proibido para mim. Não tinha idade suficiente para me matricular numa auto-escola. No fundo sabia que a verdadeira idéia do meu pai era lucrar com o negócio, não pretendia ser tão generoso comigo, mas alimentava uma esperança.
Precisava mostrar que não abriria mão do Fusca tão fácil, por isso não desanimei, acordava cedo todos os sábados, com todos os utensílios necessários, dava a partida, engatava a primeira e ajeitava meu sonho no quintal, caprichava na limpeza, fantasiando em desfilar seu brilho pelas ruas.
Não comentei que na época tinha uma namorada que não agradava muito meu pai, então um dia recebi uma proposta de novela mexicana, caso desistisse do namoro, conseguia as chaves do carro.
Na época, nunca tinha sido apresentado a Maquiavel, estava ainda na fase romântica, um jovem tolo, por isso esbravejei, gritei que poderia me separar por outros motivos, mas meu coração não estava à venda. Hoje talvez optasse por aceitar a proposta, garantir meu nome no documento e depois continuar minha vida como bem entendesse, deixando o velho esperneando de raiva. Mas o fato é que preservei minha dignidade, sem acreditar que ele poderia levar a frente uma proposta tão baixa.
O carro continuou ocupando a garagem e os meus sonhos. No dia que completei 18 anos entrei na auto-escola. No dia que recebi minha carteira de motorista, fui para a aula noturna prometendo para os amigos que na noite seguinte voltaria dirigindo meu carro.
Era quase meia-noite quando desci do ônibus e corri para a casa, o dia tinha sido cansativo. Cheguei no portão e a garagem estava vazia.
Demorei muito para conseguir perdoar meu pai
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