"Veículo antigo x Legislação: mitos e verdades"
Por: Rafly Moreira
Artigo também publicado no site http://www.uniaov8.com.br
Quem tem um muscle-car ou qualquer outro veículo antigo, já deve ter se perguntado sobre como ficam esses modelos frente a questão da obrigatoriedade de itens de segurança presentes nos veículos de hoje. Diversas vezes nos vemos diante de Opalas e Dodges Coupês (veículos sem colunas laterais) ostentando um "elegante" cinto de segurança transversal fixado no teto, ou mesmo um Fusquinha 66 com luz-de-ré e retrovisor do lado direito "brilhantemente" adaptados, tudo em nome da legislação de trânsito que, em teoria, obriga a utilização de tais itens.
Alguns antigomobilistas arriscam que, para rodar com seu antigo exatamente como saiu de fábrica, a alteração da categoria para “Veículo de Coleção” (placa preta) é algo imprescindível, isentando-o das adequações. Outros dizem que isso não é necessário, pois o veículo não foi projetado para utilização desses itens em sua época. Resumindo, é comum as pessoas falarem a respeito desse assunto, desenvolver teorias, etc., mas poucos irem fundo em busca do que realmente dizem as regras contidas no CBT (Código Brasileiro de Trânsito). E isso inclui os próprios agentes de trânsito! Não são raras as histórias de antigomobilistas detidos e multados injustamente por autoridades, acusados de utilizar um "cinto de segurança inadequado" (abdominal, original do veículo) ou de trafegar com a "placa adulterada" (placa-preta).Diante de dilemas como esses, ou de situações com autoridades que não enxergam o conhecimento da legislação como uma obrigação em seu trabalho, resolvemos selecionar algumas questões que a princípio nos geram dúvida, mas que uma boa lida no CTB ajuda explicar:
1 – Cinto de segurança
Certa vez, um de nossos sócios passeava com seu Maverick quando foi parado por um Agente Municipal, sob alegação que não utilizava o cinto de segurança. Nosso amigo mostrou que o cinto (abdominal) estava escondido por baixo da camisa, mas o Agente insistiu que aquele modelo não era regulamentado, devendo ser de “três pontos”. Mas o que diz o CTB?
“Art. 65. É obrigatório o uso do cinto de segurança para condutor e passageiros em todas as vias do território nacional, salvo em situações regulamentadas pelo CONTRAN.”
Podemos observar que o Artigo 65 do CTB não regulamenta o equipamento, apenas cita sua obrigatoriedade em todos os veículos, fazendo ressalva nas situações regulamentadas pelo CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito). Então, vamos à Resolução 48/1998, que trata o assunto:
“Art. 1° - Os cintos de segurança afixados nos veículos deverão observar os requisitos mínimos estabelecidos no Anexo único desta Resolução.”
O item 3 (Requisitos) do Anexo, diz:
“3.1 - Da instalação nos assentos voltados para frente.
3.1.1 - Automóveis e mistos deles derivados:
3.1.1.1 - Nos assentos dianteiros próximos às portas, o tipo três pontos, com retrator. Os veículos produzidos a partir de 1º de janeiro de 1999 deverão ser dotados nos assentos dianteiros próximos às portas, de cintos do tipo três pontos graduável, com retrator.”
Este item deixa clara a obrigatoriedade do cinto de três pontos com retrator nos bancos dianteiros, somente para veículos posteriores a 1998. Mas como o Agente só falou sobre o “cinto de três pontos” (não disse nada sobre o retrator), vamos continuar a leitura...
“(...)3.1.5 - Nos veículos fabricados a partir de 1º de janeiro de 1984 até 16 de setembro de 1985, é admitida a instalação de cintos do tipo três pontos sem retrator.
3.1.6 - Para os veículos nacionais ou importados anteriores aos ano/modelo de 1984, fabricados até 31 de dezembro de 1983, serão admitidos os cintos de segurança, cujos modelos estejam de acordo com as normas anteriores em vigor.”
Agora sim. O item 3.1.6 do Anexo deixa bem claro que, para veículos fabricados até 1983, valem os cintos de segurança que obedeciam as normas anteriores. Portanto, se o seu antigo já vinha com o cinto de segurança abdominal de fábrica, é bem provável que ele atendia a norma vigente na época. Sendo assim, o mesmo cinto vale pra circular hoje em dia!
O Código Brasileiro de Trânsito e a Resolução 48/1998 você encontra no site do DENATRAN:
2 – Retrovisor do lado direito
Alguns antigomobilistas instalam por estética, outros por segurança e outros simplesmente não instalam para não tirar a originalidade do veículo. Mas o que diz a lei sobre isso? Você pode ser multado por não dispor de retrovisor do lado direito? A Resolução 14/1998 do CONTRAN, que regulamenta o uso de diversos acessórios obrigatórios do veículo, também trata sobre esse assunto:
“Art. 1º - Para circular em vias públicas, os veículos deverão estar dotados dos equipamentos obrigatórios relacionados abaixo, a serem constatados pela fiscalização e em condições de funcionamento:
I - nos veículos automotores e ônibus elétricos:
(...)3) Espelhos retrovisores, interno e externo
(...)Parágrafo único: Quando a visibilidade interna não permitir, utilizar-se-ão os espelhos retrovisores laterais.”
Aqui não é detalhado sobre a posição desses retrovisores. Sendo assim, apenas o retrovisor no lado esquerdo já seria considerado suficiente como “retrovisor externo”. Inclusive, alínea do artigo também abre margem para dupla interpretação, afinal de contas, um retrovisor no lado direito também não poderia ser considerado externo o suficiente para atender o artigo? E um retrovisor colado no meio do capô?
Deixando as bizarrices de lado, vamos continuar com mais um artigo importante desta Resolução:
Art. 6º. Os veículos automotores produzidos a partir de 1º de janeiro de 1999, deverão ser dotados dos seguintes equipamentos obrigatórios:
I - espelhos retrovisores externos, em ambos os lados;
O Artigo 6º não deixa sombra de dúvida. A obrigatoriedade de espelhos retrovisores nos dois lados do veículo só se dá para os modelos posteriores a 1998, o que isenta os veículos antigos.
O download da Resolução 14/1998 completa você encontra no site do DENATRAN:
http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/resolucao014_98.doc
3 – Luz de ré / Lavador de pára-brisas
Estes são acessórios que dificilmente alguém dá atenção. E se tratando de veículo antigo, é raríssimo alguém mantê-los em ordem. Mais uma vez, a Resolução 14/1998 trata o assunto:
Art. 2º. Dos equipamentos relacionados no artigo anterior, não se exigirá:
I) lavador de pára-brisa:
a) em automóveis e camionetas derivadas de veículos produzidos antes de 1º de janeiro de 1974;
(...)II) lanterna de marcha à ré e retrorefletores, nos veículos fabricados antes de 1º de janeiro de 1990;
Portanto, se você estiver dirigindo um Dodge Magnum e alguma autoridade lhe cobrar o funcionamento dos “esguichos” do parabrisas, fique esperto. Mas se estiver em um Plymouth Superbird , fique tranqüilo. Já luz de ré e olho-de-gato não são obrigatórios para nenhum veículo antigo.
O download da Resolução 14/1998 completa você encontra no site do DENATRAN:
4 - Encosto de cabeça
Apesar de ser um item de extrema importância aos ocupantes, caso o veículo receba uma colisão traseira, a Resolução 14/1998 trata apenas da obrigatoriedade dos encostos de cabeça em todos os assentos (exceto os centrais) somente para veículos posteriores a 1998:
Art. 6º - Os veículos automotores produzidos a partir de 1º de janeiro de 1999, deverão ser dotados dos seguintes equipamentos obrigatórios:
(...)III - encosto de cabeça, em todos os assentos dos automóveis, exceto nos assentos centrais;
Entretanto, a Resolução 44/1998 acresce ao assunto:
Art. 1º - Os automóveis nacionais ou importados, deverão ser dotados, obrigatoriamente, de encosto de cabeça nos assentos dianteiros próximos às portas e nos traseiros laterais, quando voltados para frente do veículo.
§ 1º - A aplicação do encosto de cabeça nos assentos centrais é facultativa.
§ 2º - Nos automóveis esportivos do tipo dois mais dois ou nos modelos conversíveis é facultado o uso do encosto de cabeça nos bancos traseiros.
A princípio, o Artigo 1º não isenta nenhum automóvel da obrigatoriedade de possuir ao menos o encosto de cabeça nos bancos dianteiros. O Artigo 2º também cita que os veículos homologados até 1998, ainda que fabricados após 1999, não precisarão de encosto de cabeça em todos os bancos, conforme obrigava a Resolução 14/1998:
Art. 2º - Os automóveis, nacionais ou importados, produzidos a partir de 1º de janeiro de 1999, com código marca/modelo deferido pelo órgão máximo executivo de trânsito da União até 31 de dezembro de 1998, deverão ser dotados, obrigatoriamente, de encosto de cabeça nos assentos dianteiros próximos às portas, sendo facultada sua instalação nos demais assentos.
Sendo assim, tecnicamente todos os automóveis em circulação necessitam obrigatoriamente de, no mínimo, encosto de cabeça para os bancos dianteiros (motorista e passageiro). E isso inclui os antigos!
O download completo das Resoluções 14/1998 e 44/1998 você encontra no site do DENATRAN:
5 - Faróis amarelos / Setas traseiras vermelhas / Luz de placa / Pára-sol
Novamente a Resolução 14/1998 aborda o assunto em seu Artigo 1º:
Art. 1º Para circular em vias públicas, os veículos deverão estar dotados dos equipamentos obrigatórios relacionados abaixo, a serem constatados pela fiscalização e em condições de funcionamento:
I) nos veículos automotores e ônibus elétricos:
(...)6) pala interna de proteção contra o sol (pára-sol) para o condutor;
7) faróis principais dianteiros de cor branca ou amarela;
(... )11) lanternas indicadoras de direção: dianteiras de cor âmbar e traseiras de cor âmbar ou vermelha;
(...)14) lanterna de iluminação da placa traseira, de cor branca;
(...)Ou seja, não existe isenção da obrigatoriedade desses acessórios para nenhum veículo, incluindo os antigos. Entretanto, é comum depararmos com antigomobilitas em dúvida sobre a questão dos piscas traseiros, que nem sempre são da cor âmbar (adotada no Brasil em meados dos anos 80) ou faróis amarelos (vulgo “faróis pamonha”, acessório muito comum nos anos 70). Mas de fato, segundo as alíneas 7 e 11 do Parágrafo 1, Artigo 1º desta resolução, tanto os piscas traseiros vermelhos quanto os faróis amarelos são liberados até hoje! A exemplo dos piscas, temos o Ford Fusion que usa sistema semelhante aos veículos da década de 70: uma única lanterna fazendo tripla função (lanternas / luz de seta / luz de freio).
O download da Resolução 14/1998 completa você encontra no site do DENATRAN:
6 – Pneus largos e Rodas grandes
Paixão de vários amantes de Muscles (principalmente Maverickeiros de plantão), os pneuszões largos na traseira são um sonho de consumo. Já as rodas de aro grande (de 17” até vinte e tantas polegadas) são um objetivo de quem pretende deixar seu veículo antigo com uma cara mais moderna, estilo street. Para ambos os casos, o Artigo 8º da Resolução 292/2007 regulamenta a aplicação:
Art. 8º Ficam proibidas:
I - A utilização de rodas/pneus que ultrapassem os limites externos dos pára-lamas do veículo;
II - O aumento ou diminuição do diâmetro externo do conjunto pneu/roda;
Segundo esse artigo, nenhum veículo pode ser apreendido pelo simples fato de utilizar rodas aro 17” caso o aumento do diâmetro da roda seja compensado pela diminuição da altura dos pneus (o que normalmente ocorre). Em outras palavras, se você comparar o conjunto roda/pneu de aro grande com o conjunto roda/pneu originais do veículo, e ambos forem do mesmo tamanho, não há irregularidade.
E para aqueles que desejem uns pneuzões mais largos, seu uso é liberado desde que eles caibam na medida dos paralamas. Só lembro aos colegas que já estão pensando em alargá-los: o Artigo 1º da Resolução 533/1978 (por incrível que pareça, ainda em vigor) proíbe isso, exceto para veículos de competição
"Art. 1º (...) Parágrafo único. É vedada a ampliação da largura original do pára-lama do veículo.
(...)Art. 4º Excetuam-se da proibição objeto desta Resolução os automóveis especialmente preparados para competições, devendo o condutor portar autorização da autoridade de trânsito para a prova esportiva correspondente.”
O download completo das Resoluções 292/2007 e 533/1978 você encontra no site do DENATRAN:
7 – Alterações de cor
É muito comum o antigomobilista alterar a cor predominante de seu veículo. O Artigo 14 da Resolução 292/2007 regulamenta o assunto:
Art. 14 Serão consideradas alterações de cor aquelas realizadas através de pintura ou adesivamento em área superior a 50% do veículo, excluídas as áreas envidraçadas.
Parágrafo único: será atribuída a cor fantasia quando for impossível distinguir uma cor predominante no veículo.
Portanto, a alteração é permitida, mas o procedimento pode variar entre os DETRANS de cada Estado. No caso de Goiás, o proprietário deve primeiramente solicitar a alteração de cor do veículo junto ao órgão e, após a expedição da autorização, procurar uma oficina credenciada e regularizada para realização do serviço. Depois do carro finalizado, procurar novamente o DETRAN solicitando então o processo para mudança da cor nos documentos. Não esqueça que serão solicitadas as notas fiscais do serviço e do material utilizado, valendo lembrar também que o veículo será revistoriado e serão cobradas algumas taxas (é recomendável procurar um bom despachante pra isso)
O download completo da Resolução 292/2007 você encontra no próprio site do DENATRAN
8 – Pisca-alertas (luzes de emergência)
O internauta Sérgio Luiz mandou a seguinte pergunta: "Gostaria de saber sobre o pisca alerta de automóveis que não tenham o acessório e, se nesse caso, é obrigatório instalar o mesmo?"Tecnicamente, não. O item 19 da alínea I, artigo 1º da Resolução 14/98 (que trata da obrigatoriedade de acessórios do veículo), diz:
Art. 1º Para circular em vias públicas, os veículos deverão estar dotados dos equipamentos obrigatórios relacionados abaixo, a serem constatados pela fiscalização e em condições de funcionamento:
I) nos veículos automotores e ônibus elétricos:(...)
19) dispositivo de sinalização luminosa ou refletora de emergência, independente do sistema de iluminação do veículo;"
Teoricamente, esse "OU" deixaria claro que seu carro não é obrigado ter o pisca-alerta, desde que esteja portando um triângulo de emergência (sinalização refletora), por exemplo. Entretanto, a Resolução 36/1998 (que trata da forma de sinalização em caso de emergência) diz em seu artigo 1º:
"Art.1º O condutor deverá acionar de imediato as luzes de advertência (pisca-alerta) providenciando a colocação do triângulo de sinalização ou equipamento similar à distância mínima de 30 metros da parte traseira do veículo"
Ou seja, em uma situação de emergência, você obrigatoriamente precisaria usar o pisca-alerta. Mas aí vem a pergunta: como exigir o uso de um acessório que não é obrigatório?
Da forma que a lei foi escrita, seu carro jamais poderia ser reprovado em uma vistoria pelo simples fato de não ter o pisca-alerta, mas entretanto, se estiver com uma pane parado em uma rodovia, a autoridade poderia lhe aplicar uma multa por não estar com o dispositivo funcionando!
Esse é somente mais um dos inúmeros caso de contradição que encontramos no CTB. Com certeza, se um Agente de Trânsito resolvesse te multar por qualquer uma das situações, caberia uma boa margem para recurso!
Considerações finais
Bom, esperamos ter contribuído com um pouco mais de esclarecimento sobre essas famigeradas questões, que vez ou outra atormentam a nossa já "tão sofrida" vida de antigomobilista.
Fica aí o exemplo de nosso Sócio Natal Della, que anda sempre com o Código Brasileiro de Trânsito dentro do porta-luvas de seu Charger R/T... E a recomendação para tentarmos sempre conhecer um pouco mais sobre nossas leis, não só as de trânsito, mas todas as outras (código civil, penal, consumidor, etc.). Conhecer seus limites é garantir também os seus direitos!
Clube do Fusca de Pocos de Caldas - MG - (o\_!_/o) - 2010